sábado, 20 de outubro de 2012

PARTO - diário de (primeiro) bordo

andei a vida toda com receio do parto. a única excepção, foi durante o tempo em que não conseguimos engravidar e nos deram um cenário negro. inclusive, no HSG lembro-me de pensar "se estive assim com um exame, como serei num parto? sou mesmo mariquinhas!".

anyway... tinha receios, que foram crescendo durante a gravidez. mas houve outro sentimento a crescer: cansaço! além do cansaço normal de gravidez, foram os meses a vomitar, enjoada, a dormir com cansaço excessivo, grandes insónias, a faltar ao trabalho, a ter dores horríveis de costas logo desde o início, mais a ciática, os pés a incharem aos quatro meses (fui de chinelos ao casamento da minha irmã... chinelos leia-se, do A, 4 números acima do meu!!) etc, etc. e estava cada vez mais certa que o cansaço excessivo que a gravidez me estava a oferecer, me ia ajudar na preparação do parto. nas últimas semanas acalmei, devido às conversas com Deus, devido às conversas na PPP, muito devido às conversas com a minha belly e também muito devido a querer olhá-la nos olhos e descobrir se ela olharia nos meus. realmente todo o cansaço da gravidez foi muito. não me senti a gozar a minha gravidez por me sentir tão cansada. mas o estar grávida é para termos cá o nosso rebento, certo? é o caminho para um objectivo muito maior e estava sempre a lembrar-me disso. os receios estavam comigo, mas tratei deles. sabia quais eram, sabia o que estava nas minhas mãos e o que não estava nas minhas mãos. acho que nunca fui tão chata com Deus num pedido tão específico - um bom parto, que eu fosse capaz, que sentisse Deus comigo. cerca de duas semanas antes do nascimento, comecei a dizer à D que me sentia cansada e que estávamos prontos para a receber.

o parto, resumo científico:

02.setembro
19:15, tive a minha primeira contracção dolorosa completamente suportável. tipo dor de período. às 22:00 (estavam de 20 em 20 min) fomos andar como habitual e ficaram com intervalos de 3 - 4 min mas quando cheguei a casa acalmou. por volta da 1da manhã já estava a cada10 min. tinham-nos dito que quando estivesse assim há duas horas para ir para o hospital, mas como senti que era cedo, esperei até de manhã. claro que não dormi nada nesse dia, tinha algum mau estar, mas acima de tudo acho que queria mesmo era conhecê-la.

 03.setembro
06:00, banho, acordar o A, pequeno-almoço num café porreirinho, algumas fotos e lá fomos nós.
06:55, chegámos. triagem, CTG sem grandes curvas (mas já em claro trabalho de parto), toque e apenas ainda um cm de dilatação (no primeiro toque que me fizeram quinze dias antes já estava assim). descolamento das membranas para acelerar e mandaram-me embora - btw, os toques nunca me doeram, o desse dia foi o 3ª que fiz, e o descolamento também não doeu nada - nesse dia andámos mais que o normal e duas vezes. por volta das 23:30 ainda fui subir e descer escadas do meu prédio (3 vezes 8 andares). essa noite também não dormi. as dores já custaram mais. mas na altura, foi difícil dizer se estavam piores ou não. estava há mais de 24 horas a sentir uma dor, às tantas não sabia se a dor era mais forte ou se era o meu cansaço que me estava a dizer que era mais forte. como tinha ficado tão triste por voltar para casa, aguentei o máximo de tempo.


04.setembro
manhã, o A teve de ir tratar dumas coisas e ao telefonar-me, começa a contar-me com algum detalhe o que se estava a passar. digo-lhe "podes resumir sff?". sinto que ele fica chateado e digo-lhe "desculpa mas não me estou a sentir bem. trata do que tens a tratar e vem para casa porque temos de ir para o hospital". ele fica atrapalhado e diz para eu ir-me preparando para arrancarmos quando ele chegasse, disse-lhe que não, que precisava de tomar banho mas já não conseguia sozinha.

12.00, chegamos ao hospital. felizmente tinha estado mal disposta e só tinha bebido um sumo e umas horas depois, um iogurte líquido. e fui muitas vezes ao wc essa manhã. disseram-me depois que muitas vezes isto acontece ao chegar-se o momento do parto, para o organismo estar limpo e ter mais espaço para a última descida do bebé.

13:00, chega a minha vez de ser atendida. triagem, novo CTG. costuma ser pelo menos 20 min que estamos ligadas, mas passado cerca de 5 min tinha um enfermeiro a fazer perguntas para perceber como me estava a sentir. pelos vistos havia qualquer coisa em acelerado. "vamos ali fazer o toque para ver se já dá para ficar" . e quando ele me diz "já dá para internar", foi assim........!! apesar de muitas, muitas emoções durante toda a gravidez, não chorei quando soube, não chorei quando a vi pela primeira vez numa eco, nem quando ouvi o coração a primeira vez, nada! mas quando ouvi aquela frase desatei a chorar enquanto pensava "é hoje que te vou conhecer"!! vesti uma bata (daquelas maravilhosas e sexys abertas atrás), fui dar a roupa ao A e dar-lhe a novidade. estava super super feliz, calma e ainda a chorar de felicidade! ele ficou sem jeito, sem saber o que fazer, nervoso e claro, super feliz também. disseram que ele não poderia ainda entrar, porque as salas de parto estavam cheias. eu iria para uma sala de dilatação, só quando uma das outras vazasse e eu fosse para lá, é que ele poderia ir ter comigo. cheguei, fizeram-me um questionário pela 4ª vez (sempre ajuda a passar o tempo), perguntaram-me se queria epidural (na altura não sabia, mas já tinha quase quatro cm de dilatação, por isso SIIIIM!!!). a anestesista deu duas epidurais antes da minha, por isso acho que só chegou perto de mim às 14:30/ 15h. sempre tive algum receio da epidural, não pela agulha, mas tinha receio de me mexer e fazer mal a mim e/ou ao bebé. uma enfermeira esteve sempre comigo a ajudar-me a estar na posição correcta e para o caso de eu me mexer. a epidural levou muito tempo porque, fiquei a saber, tenho as vertebras muito juntas. deram-me três vezes a pequena anestesia primária e acabei por levar a epidural um pouco mais acima que o normal. graças a Deus não tive nenhuma contracção nesse tempo. acho que depois não voltei a sentir nenhuma contracção com a intensidade anterior. levei dois reforços noite fora. os cateteres também me faziam impressão só de olhar e foi tudo muito pacífico (pôr, tirar..).

15:00, foram buscar o A porque perceberam que dificilmente eu iria para outro sítio. ah, o alívio que ele sentiu por já me terem dado a epidural! hihhihhi. felizmente o tempo passou muito rápido para ele também, entre conversas parvas, visitas das enfermeiras.. ele iria sair mais tarde, para buscar algumas coisas minhas, para comer (a mando da enfermeira), para ir buscar o kit para preservação das células estaminais, e "agora sai um bocadinho porque está uma senhora a ter a criança", fora isso, sempre ao meu lado.

22:00, a enfermeira rebentou-me o saco (apesar de às 20:00 já ter os 10 cm de dilatação, o trabalho continuava caótico). comecei pouco depois a sentir vontade de fazer força (mas antes de dizer isto, informei que já estava com dores outra vez e foi essa a altura do 2º reforço). and push! estive mais tempo que o normal a fazer força porque, soube depois, a D vinha com a mão na cara, pronta para se esticar à super mulher! por isso chegava uma altura que não descia. a minha calma era tanta que quando ouvi "na próxima tens de fazer força mais tempo porque a menina não pode estar ali muito mais", nada mudou em mim. sabia que as médicas fariam o necessário para o nosso bem e tinha uma certeza enorme que Deus estava connosco. por essa altura senti um frio e pensei "boa, já me cortaram e não senti dor (apesar da epidural me ter tirado a dor da contracção, tinha a sensação que sentia em demasia o que se passava lá em baixo). mas depois senti uma lâmina. não me digam que é tesoura porque senti a entrar e sair, duas vezes, sangue frio. foi o pior momento. mas escrever isto demora mais do que o que senti. conforme se aperceberam que eu estava a sentir pararam e deram várias anestesias locais e disseram "na próxima muita força, máximo de tempo e nós vamos ajudar também". e assim foi. enfermeira a fazer força na barriga, duas médicas com a ventosa (escolheram a mais pequena porque realmente estava muito próxima, nem veio com a cabeça oval), concentração , "agora espera um bocadinho para compormos os ombros".. eu bem que ainda fiz respiração para não fazer força, mas após dois avisos de "acho que não vou aguentar", não aguentei mesmo (isto, mais rasgo mais mãozinha, fizeram as enfermeiras lá de cima chamarem-me "a mamã dos pontos", tão bom!!) e no final ouvir algo como "é perfeitinha!".

23:25, o momento entre sair e colocarem-na em cima de mim foi tão rápido que pensei "estará mesmo já?" é que estando dentro ou fora de mim, o peso é o mesmo, certo? só olhávamos para ela e dizíamos "olá, já estás ao pé de nós", ele em lágrimas, claro que eu, sem chorar. "o pai quer cortar o cordão?", silêncio e mais lágrimas, para ele estar calado é preciso muito. dei-lhe uma cotovelada e disse "quer, quer!". lá acordou e cortou o cordão super feliz. super felizes. pediram-me para fazer força para elas conseguirem fazer os pontos internos. passado um pouco comecei a sentir a agulha e a linha, com dor. avisei e não fizeram nada. voltei a avisar e comecei a desesperar. só aí disseram "se pararmos agora a recuperação vai ser pior" e com a sensibilidade a aumentar saiu-me um "malvadas", assim, light, baixinho. mas o A disse que foi mesmo um "MALVADAS" bem longo e alto, mesmo à Braveheart a ser aberto. a parte boa é que ainda aí mantive a concentração e a respiração. pedi a máquina ao A e estive a tirar fotos a ele com a nossa menina. até tive ideia que coseram em 5 min, o A é que disse que não, o que ficou comprovado na hora das fotos - mais de 30 min.


o parto, resumo meu:


é possível um parto tranquilo e positivo mesmo sem estar marcado, sem cesariana, e mesmo com dor. é possível mantermos a concentração e sermos invadidas por paz, se assim o desejarmos. é possível sabermos o que estamos a fazer. chamei "malvadas" propositado, porque não quis ser mal educada quando queria ter chamado outra coisa e mesmo após mais de uma hora a fazer força e já sem forças, nunca disse "eu não consigo", eu sabia que conseguia!

para tentar afastar os receios do parto, a chave para mim foi o auto-conhecimento. sei que tenho de mexer e aprofundar as coisas que me assustam. fiz muitas perguntas, houve coisas que não quis saber, mas fiz muitas perguntas a pessoas com experiência. as aulas de PPP foram mesmo uma bênção, o facto de as fazermos sozinhos e com tanto à vontade, o tempo e as conversas que se alongaram... e por outro lado as aulas fizeram-me ter uma ideia de como/ quais poderiam ser as reacções do A (por causa dos exercícios práticos) então umas semanas antes, ao tomar consciência disso, dei-lhe as indicações - não me dizer para ter calma, nem tentar dar-me a mão ou beijinhos. e ele cumpriu! foi depois duma aula que falámos muito, que realmente comecei a acalmar. depois de o desejar tanto, parece q a calma "desceu em mim" quase de forma inconsciente. e mais uma vez, o bom conhecimento de mim própria a nível de controlo. sabia que não me podia descontrolar, se passasse para o lado da insanidade seria muito mais difícil voltar. os dias anteriores falei muito com Deus, falei muito com a D, dizendo-lhe que já estava cansada de imaginá-la e que tinha chegado a altura de a conhecer, disse-lhe que já tinha feito tudo o que sonhei fazer numa gravidez. não me lembro de pormenores, mas sei que desde o momento das primeiras contracções dolorosas, estive sempre a cantar a Deus. estive o tempo do parto parva comigo própria - tantos anos com receio do parto desperdiçados!!!! muito calma e tranquilidade e a tentar tranquilizar o A, houve pelo menos num momento mais complicado que virei-me para ele, sem pensar, e disse "estás bem?" senti sempre a alegria do "estamos já muito próximos de a conhecer", senti-me sempre muito próxima do A, isto tudo é para a conhecer e quero muito conhecê-la. as salas de parto não chegaram a vazar. houve três  partos ao meu lado, só com uma cortina a separar e nem isso me abanou, em especial o primeiro, em que fiquei muito sensibilizada por tudo, e todos fizeram com que quisesse mais aquele momento.

23.25, senti o quente dela em cima de mim. um quente bom, relativamente levezinho, a chorar, à procura dos meus olhos. e quando me olhou nos olhos, foi mesmo como no meu sonho. irreal, mas foi. não sei feições, apenas os olhos, tal e qual. muito escuros e brilhantes a procurarem-me e quando encontraram os meus olhos, fixaram em mim, quase a dizerem-me "a voz que ouvia és tu, e gosto!", e nunca tinha pensado nisto, mas cada bebé tem um cheiro característico. cheirei-a e decorei esse cheiro, parece-me que para todo o sempre. e como disse acima, claro que eu, sem chorar.

mas pelo menos existem formas de comprovar as nossas certezas.

1 comentário:

  1. amiga AMEI a tua descrição do parto. Até fiquei de lágrima no olho :-)
    e confesso que senti uma pontinha de inveja (saudável) porque não consegui aproveitar e disfrutar do parto dessa maneira. não chegaram a pô-la em cima de mim porque eu adormeci e quando dei conta já a tinham vestido e estavam com ela ao pé da minha cara lol
    gosto imenso da maneira como descreves sempre tudo, tão detalhado :-) quase que dá para visualizar :-)
    beijinho grande
    F

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